quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Queen Mary, University of London, Londres
Até o fim do mundo


Aqui em Londres, a Escócia é considerada um lugar remoto, setentrional, e um tanto exótico e selvagem. Em Edimburgo dizem o mesmo a respeito das Terras Altas. Em Inverness, a principal cidade da região, os condados de Sutherland e Caithness, no extremo peninsular nordeste do pais, são vistos como ermos e ignoráveis, uma espécie de Acre local. Pois bem; ao nordeste de Caithness, do outro lado de uma nesga do mar do norte, fica Orkney, um arquipélago de ilhas varridas pelo vento cujos 20.000 habitantes mal se consideram escoceses (Escócia é o que se encontra do outro lado do canal, eles dizem). Para eles Edimburgo é uma metrópole sulista remota, Londres é um rumor distante e a Europa continental um mito perdido nas brumas.

 Foi para lá que eu fui.

Orkney também é uma das regiões de habitação continuada mais antigas da Europa. A cinco milênios, o clima era ameno e a terra, fértil. O vento quase constante implicava na ausência de árvores, porém, o que fez com que os habitantes locais, neolíticos e posteriores, usassem o arenito local (que se quebra naturalmente em convenientes lajes) como o principal material de construção. O resultado é um dos maiores e mais bem preservados conjuntos de ruínas neolíticas do mundo. Em um pequeno trecho que corta a ilha através de um istmo entre dois lochs (o Ness of Brodgar), é possível visitar a tumba de Maes Howe, uma colina oca que de dentro parece uma catedral de pedra, os círculos de pedras de Stennes e Brodgar, e encontrar o mar na baia de Skaill, onde a antiga mas bem preservada vila de Skara Brae ainda guarda um pouco do flinstoniano charme rural de 3180 AC.

Foi lendo sobre Skara Brae em um história de ficção científica que primeiro tive vontade de visitar Orkney, duas décadas atrás.
Skara Brae foi abandonada 600 anos depois de sua construção. Não se sabe o que aconteceu com seus habitantes. Posteriormente, os pictos e depois os vikings se estabeleceram nas ilhas. Longe de ser um lugar remoto, durante o período viking Orkney se situava na confluência das rotas de comercio e pirataria nórdicas (a única diferença entre um e outra é se as transações eram voluntárias ou não), entre a noruega e as ilhas birtânicas, e com acesso direto para a Islândia e Groenlândia. Até o século XIII o arquipelago era parte do reino da Noruega. Em Maes Howe ainda se vê o grafite rúnico de visitantes vikings.

Passei 5 dias pedalando em Orkney. Visitei sitios arqueológicos, museus idiossincráticos fundados por habitantes locais e entrei em uma linda capela construída por prisioneiros de guerra italianos durante a IIa Guerra Mundial; conversei com os locais e fiquei amigo de meus hosts de couchsurfing; comi um queijo local que é indistinguível de queijo minas; visitei a quase selvagem ilha de Hoy, e entrei em uma tumba esculpida diretamente em um bloco de pedra e caminhei ao lado de paredões vertiginosos erodidos pelo Mar do Norte.

Este último ponto é importante. Toda esta beleza costeira se deve em grande parte a um arenito local relativamente frágil e um Mar do Norte dado a humores violentos. Ao longo dos séculos, o litoral destas ilhas vem sido rapidamente erodido. Skara Brae foi construída a alguma centenas de metros da costa, mas graças à erosão e a elevação do nível do mar pós-glacial, hoje se encontra quase na praia. É possível que em algumas décadas as ruínas sejam levadas pelo oceano, como provavelmente o foram inúmeros outros sítios semelhantes. A coluna de pedra que surge dramaticamente do oceano, o Old Man of Hoy, já foi um arco, e um dia talvez não muito distante será uma pilha de entulho. Isto talvez tenha criado uma certa urgência subconsciente para a minha ida; eu não sei. O fato é que após ter estado por lá, me sinto mais, e não menos, atraído por este fim de mundo que quero muito visitar novamente.

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